terça-feira, 27 de março de 2012

Candomblé em portugal: Trabalho de Antropologia, sob o tema “A religião Candomblé-Ketu em Portugal e a sua influência na prática de Enfermagem”, realizado por estudantes da Escola Superior de Enfermagem, no Ilé Asè Omin Ògún (4ºPost)


Continuamos a publicar os documentos desenvolvidos pelo grupo de estudo da Escola Superior de Enfermagem que visitou o Ilé Asè Omin Ògún, com intuito de presenciar “in loco” um Siré de Candomblé – Nação Ketu, de forma a observarem os trabalhos, efectuando assim o seu trabalho para a deisciplina de Antropologia e Sociologia.
Começaremos a publicar desta vez, o trabalho escrito:
Introdução

No contexto da Unidade Curricular de Antropologia e Sociologia I, inserida no primeiro ano do plano curricular do curso de licenciatura em enfermagem, foi proposto a realização de um exercício de observação etnográfica, para o qual nos propomos a explicar a seguinte frase de partida: “ A religião Candomblé-Ketu em Portugal e a sua influência na prática de Enfermagem”.
A elaboração deste trabalho tem como finalidade desenvolver a capacidade de observação e conhecer a realidade social de questões contemporâneas, partindo do tema religião, que no nosso grupo será especificamente a religião de Candomblé-Ketu, aplicando os princípios da observação etnográfica, seleccionou-se, primeiro, a religião, e depois um local de culto religioso, inserido na mesma, como objecto de estudoDesta forma, o objecto de estudo por nós escolhido é a religião de Candomblé-Ketu. A observação no local foi feita em três dias diferentes do mês de Janeiro, pelo que o grupo se dividiu equitativamente para esse fim e trabalhando com base no texto Os Argonautas do Pacífico Oriental. Introdução: objecto, método e alcance desta investigação de Bronislaw Malinowski (1997).
Este exercício de observação participante, desenvolvido por Malinowski é a maneira mais fidedigna de obter dados relativamente a qualquer estudo que se pretenda realizar. “O estudo da religião faz-se através da observação de práticas e da performance ritual. Essa observação deve ser, de preferência e sempre que possível, participante. É observando e falando com informantes qualificados que se consegue perceber o comportamento religioso das pessoas.” (Luís Batalha, 2005:261).
A elaboração deste trabalho teve os seguintes objectivos adjacentes: reconhecer que a religião de Candomblé-Ketu está intimamente ligada á Natureza, a valores, por eles considerados sagrados e com uma hierarquização bastante rígida, descrever os factos observados no local de culto, interpretar esses factos segundo os componentes da religião de Candomblé-Ketu e reconhecer a importância do conhecimento sobre a religião em causa para a prática de enfermagem.
Desde sempre que a religião é considerada pela maioria das pessoas como sendo um ponto fulcral nas suas vivências, transmitindo-lhes apoio nas alturas que mais necessitam, esperança e determinação para enfrentarem as adversidades, obstáculos com que se deparem e mesmo na vida do dia-a-dia. Existe uma multiplicidade de religiões, todas elas com as suas características individuais e que as tornam únicas, influenciando de várias formas as pessoas que nelas acreditam. Por isso, é necessário que, como futuros enfermeiros estudemos esta variedade de religiões de forma a prestarmos um melhor e mais adequado tratamento de acordo com essa individualidade, respeitando sempre o padrão de vida, crenças e valores de cada um.
  1. Definição de religião
Religião, que vem do latim religare, como Luís Batalha definiu, consiste num conjunto de crenças, cântico, oferendas e nalguns casos até de sacrifícios que poderiam ser humanos.
A religião é “um conjunto de rituais, racionalizados pelo mito, que mobilizam os poderes sobrenaturais com o propósito de promover, ou impedir, que determinados fenómenos que afectam o homem e a natureza aconteçam” (Luís Batalha, 2005:260 citando Anthony Wallace, 1966:107).
“ (…) A religião é um conjunto de crenças e comportamentos pelos quais as pessoas tentam adquirir controlo sobre o que não é controlável de outra maneira” (Luís Batalha, 2005:260).
  1. Religião de Candomblé-Ketu
O Candomblé é uma religião monoteísta Afro-Brasileira que nasceu da fusão do culto aos Orísás (Santos) praticado em África há mais de cinco mil anos e as formas e fórmulas adoptadas pelos negros escravos que, forçadamente e após a grande travessia do Atlântico, se viram obrigados a as utilizar em terras Brasileiras para, camufladamente, continuarem a venerar os seus “Santos”.
Através dos Orísás (Santos), ministros de Olorún (Deus) e energia em estado puro que rege as forças da natureza, o Babálórísá (Pai-de-Santo) ou Yálórísá (Mãe-de- Santo) prega e ensina aos seus seguidores, sejam eles YaôsAbiãns ou simpatizantes, valores sagrados como o respeito, elevação espiritual, compaixão, solidariedade, e perdão.
Alguém ligado ao Candomblé tem por obrigação honrar e ajudar o próximo, sendo que desta forma, está a honrar os Orísás (Santos) e o Olorún (Deus).
Apoiado num sistema hierárquico extremamente rígido, em que só com muito esforço, determinação e fé se consegue ascender, o Candomblé prima por ser uma religião maioritariamente de cariz oral, em que os ensinamentos sagrados se apreendem com o convívio e respeito aos mais velhos, detentores do conhecimento. Aliás, a ancestralidade é ponto fundamental do Candomblé: os nossos ancestrais directos e indirectos são para ser cultuados, venerados e são eles a base de todo o Asé, força vital que nos guia e orienta os nossos actos, sem nunca colocar em causa o dom maior que Olorún (Deus) nos concedeu: o nosso livre arbítrio.
A Natureza e os seus elementos ocupam lugar de natural destaque na nossa religião. Quer pela ligação e regência de cada um dos Orísás (Santos) aos vários aspectos que a constituem, como também devido ao facto de que é da Natureza que se extraem a esmagadora maioria dos componentes sagrados que irão proporcionar o culto e os rituais. Folhas, árvores, água, animais entre outros, são os veículos que possibilitam levar a cabo a propagação do Asé.
Não se pense no entanto que Candomblé é sinónimo de poder; nenhum Pai ou Mãe de Santo, filho ou filha de Santo voa em vassoura como um bruxo ou possui poderes mágicos como Merlin, pelo contrário, estar no Candomblé, para quem o faz correctamente entregando-se de corpo e alma aos Orísás (Santos), acarreta consigo sacrifício, responsabilidade e devoção. No entanto, tem como paga o maior de todos os presentes: o amor de Olorún (Deus), dos Orísás (Santos) e a satisfação de quem faz o bem, ajudando o próximo”. (Documento cedido por Babálórísá Jomar d’Ògún).
  1. Entidades regulamentadoras de actos religiosos Afro-Brasileiros
A ANACAB, Associação Nacional dos Cultos Afro- Brasileiros, enquanto representante legal da FENACAB – Federação dos Cultos Afro-Brasileiros, realiza, regulamenta e parametriza actos religiosos em que o objectivo é a reverência e culto a Olorún (Deus), aos Orísás (Santos) e outras entidades, através da música, reza dança, etc.
  1. Descrição Sumária da prática religiosa e dos actos de culto
De quatro em quatro ou de oito em oito dias, consoante o calendário litúrgico instituído, os fiéis reúnem-se com o propósito de crescer espiritual e humanamente, comemorar a sua fé, aprenderem normas, preceitos e aspectos tanto práticos como teóricos relativos às religiões de cariz Afro-Brasileiro.
Os Orísás (Santos), para além das celebrações periódicas praticadas pelos sacerdotes cujas denominações poderão ser Ministro/Sacerdote/Pai de Santo/Babálórísá, possuem em cada ano, um dia e um mês próprios para serem louvados e reverenciados, dia esse em que se realiza uma festa religiosa especifica para comemorar essa data.
Todos os preceitos, normas, pormenores litúrgicos e religiosos, conforme as regras específicas da religião (Candomblé e restantes cultos Afro), apenas são do conhecimento dos seus iniciados, sendo que, apenas com o passar dos anos e com a natural evolução espiritual que dai advirá, serão esses conhecimentos partilhados pelosMinistros/Sacerdotes/Pai de Santos/Babálórísá aos seus seguidores.
Dentro das religiões Afro-Brasileiras em geral, e no Candomblé em particular, o percurso das etapas de evolução dentro da hierarquia religiosa está pré-estabelecido:
  • A primeira etapa é o Bòrí (baptismo), ministrado peloBabálórísá/ Yálórísá (Pai ou Mãe de Santo) que não vincula o individuo à casa onde o mesmo é efectuado, mas sim à religião em si;
  • Seguem-se as Obrigações (a primeira que marca a iniciação na religião e as seguintes que funcionam como confirmações sucessivas) que, são efectuadas por norma, uma por ano até ao número de sete, sendo que após atingido este patamar, passam a ser feitas apenas aos catorze e vinte e um anos;
  • Após a sétima obrigação, o individuo passa a usufruir de um posto de maior relevo dentro da comunidadeos postos e cargos são vários e múltiplos (Ex: Ogan – Tocador de atabaque, etc…).
No Candomblé são celebrados casamentos e funerais; ministrado pelo Babálórísá / Yálórísá (Pai ou Mãe de Santo) após o falecimento de um iniciado, é efectuado o denominado Asèsé (cerimonia fúnebre), considerado de importância fulcral dentro dos dogmas religiosos.
A liturgia oral destes trabalhos é efectuada através de Orikís (orações) próprios para cada situação,proferidos pelo Babálórísá / Yálórísá (Pai ou Mãe de Santo) ”. (Documento cedido por Babálórísá Jomar d’Ògún).
Para se ser especialista religioso é preciso passar por determinadas provações e testes até se demonstrar que se tem as necessárias aptidões.” (Luís Batalha, 2005:266).
Os rituais (ou ritos) representam a prática das pessoas em relação ao sobrenatural e ao sagrado. São uma forma de manter a coesão dos grupos sociais em torno de uma determinada cosmologia. Servem também para aliviar a tensão emocional criada por situações de risco como o nascimento, a morte, e o casamento. Uma das funções dos rituais é assegurar que as pessoas atravessam esses momentos com o devido enquadramento ideológico e social.” (Luís Batalha, 2005:270).
  1. Ilé Asè Omin Ògún (Terreiro de Candomblé na Sobreda)
Embora existam outros terreiros de Candomblé em Portugal, este foi o escolhido pelo nosso grupo pois é um dos terreiros considerados de maior importância.
Foi registado na FENACAB – Federação Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros com o número 3901.
Ilé Asé Omin Ògún, terreiro de Candomblé Nação Ketu, está situado ao sul de Portugal, na pequena vila da Sobreda.
Fundado em Abril de 2004, tem desde a sua abertura, como Agábá o Bábàlòrísá Jomar d’Ògún, e como Otún Òrisá o Bábàlòrísá Paulo d’Yemonjá.
Actualmente o terreiro conta com cerca de sessenta Omo Orísá, entre YaôsAbians e simpatizantes.
É, á data, um dos mais importantes terreiros de Candomblé Ketu de toda a Europa, sendo reconhecido além-fronteiras pelo trabalho desenvolvido, quer na divulgação da religião que professa, como também pelo respeito dos fundamentos que emprega nos seus ritos e vida quotidiana”. (Documento cedido por Babálórísá Jomar d’Ògún).
  1. CONCLUSÃO
Com o decorrer da elaboração deste trabalho, que teve por base a observação etnográfica, podemos concluir para que a profissão de Enfermagem garanta uma prestação de cuidados individualizada tem que ter em conta os valores e hábitos de cada pessoa.
Como sabemos a crença na religião é uma aliada na recuperação por parte das pessoas que nela acreditam.
É importante o conhecimento das várias religiões existentes para que, no caso de a pessoa precisar, o profissional de enfermagem possa contactar o representante da religião com facilidade, com vista á deslocação do mesmo ao local onde seja necessário.
Com a elaboração deste trabalho, verificamos que a religião de Candomblé-Ketu, está intimamente ligada á Natureza, como verificamos na observação etnográfica, estão sempre presentes elementos representativos da Natureza. É definida por uma hierarquia rígida em que se regem por valores como o respeito pelo mais velho e pelo próximo.
Podemos concluir que são muito organizados, determinados e que defendem e respeitam aquilo em que acreditam.
Em suma, como futuros profissionais de saúde devemos sempre respeitar os valores pessoais e crenças da pessoa assistida mesmo que estes não façam parte do nosso modo de vida e não devemos discutir ou tentar dissuadir a pessoa assistida, pois estas não são as nossas funções. Para que a prestação de cuidados seja o mais individualizada possível é necessário ter sempre por base o respeito pelo padrão de vida de cada um.

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