segunda-feira, 18 de junho de 2012

Candomblé em Portugal: Cozinha do Santo; Onde tudo se aprende



Um texto interessante, para reflectir...

 Muito mais que relacionada com um sistema nutricional, a comida do Santo articula-se e compreende-se a partir de um universo maior, onde a oralidade constitui um dos meios mais expressivos de passar os seus preceitos; a observação um método indispensável para sua manutenção e o comer um dos verbos, que embora muitos conjuguem, reserva-se a poucos, restringindo-se àqueles que conhecendo o “tratamento” entendem o papel e significado desta comida como Axé, força vital e sacrifício indispensável para a conservação da vida. A comida de Orísá articula-se num universo que estabelece diferenças e “oposições”. As primeiras dizem respeito ao que se come, ao que se pode ou não comer; ou ainda, ao como se come e com quem . As oposições são formuladas, quanto à origem, em comidas secas e comidas de ejé. As comidas secas são também chamadas de comidas frias ou votivas. São todas aquelas não provindas do sacrifício animal, ou as que são à base de grãos, raízes, folhas e frutas. Por sua vez, uma outra oposição relacionada ao quente e ao frio surge tomando como referência o azeite-de-dendê e a pimenta ao lado de outros ingredientes. Outra maneira de formular as “oposições”, diz respeito à passagem mítica da vida de cada Orísá. Assim, há os que comem com pressa, aos que recebem comidas sem forma, amassadas e aqueles que gostam de comidas mais detalhadas. Isto explica a diversidade de iguarias numa cozinha em que há os que comem cru, mal passado, torrado, frito, cozido e amassado. Dentro desse universo, o azeite-de-dendê ao lado da folha de bananeira cumprem uma função fundamental. Dendê é força, origem. O seu óleo está associado ao esplendor de algumas civilizações ou, ainda, à criação. A bananeira, por sua vez, liga-se ao crescimento e à transformação. Ela é a cama, sobre a qual, tudo que repousa, se deita sobre ela . E tudo que se enrola é envolto nas suas folhas verdes ou secas e amarrado com suas própria fibras. Vale ainda chamarmos a atenção, que, quando se fala da comida de Orísá, associada à uma “cozinha africana”, esta é entendida como um conjunto de técnicas, formas e maneiras de preparar, trazidas pelas diversas etnias africanas, que aqui foram conservadas e reelaboradas, ao lado de outras inventadas. Assim, também, a cozinha dos Orísás. Não se trata de voltar à África, mas fazer com que tal cozinha se torne africana. Africana no sentido de expressar, trazer presente, experiências longínquas de reinos, civilizações, histórias de grupos, somadas a tantas outras. A comida de Orísá é, assim, uma “comida brasileira” em que tantos motivos Afro se fazem presentes. Ao mesmo tempo, é uma “comida africana” onde inúmeras experiências do Novo Mundo foram acrescentadas. A comida de Orísá é um ritual profundamente complexo, elaborado e articulado segundo códigos e princípios, alguns deles de “porque” perdido no tempo. Daí entender-se, mais uma vez, a frase que diz: “ E ainda existe gente que pensa que é só comida....”

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